Poesia



A noite não adormece nos olhos das mulheres
A noite não adormece
nos olhos das mulheres
a lua fêmea, semelhante nossa,
em vigília atenta vigia
a nossa memória.

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
há mais olhos que sono
onde lágrimas suspensas
virgulam o lapso
de nossas molhadas lembranças.

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
vaginas abertas
retêm e expulsam a vida
donde Ainás, Nzingas, Ngambeles
e outras meninas luas
afastam delas e de nós
os nossos cálices de lágrimas.

A noite não adormecerá
jamais nos olhos das fêmeas
pois do nosso sangue-mulher
de nosso líquido lembradiço
em cada gota que jorra
um fio invisível e tônico
pacientemente cose a rede
de nossa milenar resistência.

(Conceição Evaristo – Em memória de Beatriz Nascimento)/2013/03/cia-tem-uma-vasta-lista-de-presidentes.html
Fonte: NossaEscrevivência

Poesia Negra Brasileira, Oliveira Silveira…!

Oliveira Ferreira de Oliveira nasceu em Rosário do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil, em 1941. Vive em Porto Alegre. Publicou GEMINOU (1962), POEMAS REGIONAIS ((1968), BANZO SAUDADE NEGRA(1970), DÉCIMA DO NEGRO PEÃO (1974), PRÃCA DA PALAVRFA (1970), PELO ESCURO (1977). Participou de muitas antologias.
Formado em Letras, Oliveira Silveira é pesquisador e historiador, além de ter o mérito de ser um dos idealizadores da transformação do 20 de novembro em data máxima da comunidade negra brasileira.

MÃO-DE-PILÃO
 Água no oco,
palha, grão.
Soca, soca,
Mão-de-pilão.

Longe que é, longe que fica
e a mão-de-pilão esmurrando a cangica.
Longe que é, longe que fica
e a mão-de-pilão tocando cuíca.

Água no oco,
palha, grão.
Soca, soca,
mão-de-pilão.

Socando, socando aos sol da manhã,
o eco na serra parece tantã.
Bate, bate... pra quê bate tanto?
Longe tão longe que não adianta.

Água no oco,
palha, grão.
Soca, soca,
mão-de-pilão.


O MURO

eu bato contra o muro
duro
esfolo minhas mãos no muro
tento longe o salto e pulo
dou nas paredes do muro
duro
não desisto de forçá-lo
hei de encontrar um furo
por onde ultrapassá-lo


TRANSMISSÃO

Querem que a gente saiba
que eles foram senhores
e nós fomos escravos.
Por isso te repito:
eles foram senhores
e nós fomos escravos.
Eu disse fomos.


NEGRINHO

Um naco de fumo escuro
                   negrinho
da tua cor, no monturo.

Um toco de pito aceso
negrinho
cor de teu sangue indefeso.

Muito estancieiro safado
negrinho
formigueiro à beira-estrada.

Contra as manhas dessa malta
negrinho
se vai de cabeça alta.

E peço: clareia o rumo
negrinho
de teus irmãos cor de fumo.


Extraídos de: ANTOLOGIA CONTEMPORÂNEA DA POESIA NEGRA BRASILEIRA, organização de PAULO COLIMA.  São Paulo: Global Editora, 1982.  103 p.


Chico Xavier, Paulo Freire, Charles Chaplin, Rubem Alves e Carlos Drumond de Andrade, SAÚDAM A TODO(A)S PROFESSORE(A)S!


"Oração Nossa

Senhor ensina-nos a orar, sem esquecer o trabalho.
A dar, sem olhar a quem.
A servir, sem perguntar até quando...

A sofrer, sem magoar, seja quem for.
A progredir, sem perder a simplicidade.
A semear o bem, sem pensar nos resultados...

A desculpar, sem condições.
A marchar para frente, sem contar os obstáculos.
A ver sem malícia...

A escutar, sem corromper os assuntos.
A falar, sem ferir.
A compreender o próximo, sem exigir entendimento...

A respeitar os semelhantes, sem reclamar consideração.
A dar o melhor de nós, além da execução do próprio dever, sem cobrar taxas de reconhecimento...

Senhor, fortalece em nós, a paciência para com as dificuldades dos outros, assim como precisamos da paciência dos outros, para com as nossas próprias dificuldades...

Ajuda-nos para que a ninguém façamos aquilo que não desejamos para nós...

Auxilia-nos, sobretudo, a reconhecer que a nossa felicidade mais alta será, invariavelmente, aquela de cumprir seus desígnios onde e como queiras, hoje, agora e sempre."

"A vida me ensinou a dizer adeus às pessoas que amo, sem tirá-las do meu coração,sorrir às pessoas que não gostam de mim, para mostrá-las que sou diferente do que elas pensam,calar-me para ouvir, aprender com meus erros,afinal, eu posso ser sempre melhor!
Fazer de conta que tudo está bem quando isso não é verdade,
Para que eu possa acreditar que tudo vai mudar,a abrir minhas janelas para o amor.E não temer o futuro,A lutar contra as injustiças.Sorrir quando o que mais desejo é gritar todas as minhas dores para o mundo.
Fazer de conta que tudo está bem quando isso não é verdade.Para que eu possa acreditar que tudo vai mudar."

"Verdades da Profissão de Professor
Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isso nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas que permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados. Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho.
A data é um convite para que todos, pais, alunos, sociedade, repensemos nossos papéis e nossas atitudes, pois com elas demonstramos o compromisso com a educação que queremos. Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem “águias” e não apenas “galinhas”. Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda."

"Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música
não começaria com partituras, notas e pautas.
Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria
sobre os instrumentos que fazem a música.
Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria
que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas.
Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas
para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes".

"O professor disserta sobre ponto difícil do programa.
Um aluno dorme,
Cansado das canseiras desta vida.
O professor vai sacudí-lo?
Vai repreendê-lo?
Não.
O rofessor baixa a voz,
Com medo de acordá-lo."


ADÃO VENTURA
Adão Ventura Ferreira Reis nasceu em Santo Antônio do Itambé, então distrito do Serro (MG), em 1946. Viveu seus primeiros anos no campo, em péssimas condições, mas mudou-se para Belo Horizonte, onde se graduou em Direito pela UFMG. Em 1973 esteve nos Estados Unidos lecionando Literatura Brasileira na Universidade do Novo México e participando do “International Writing Program”, da Universidade de Iowa, destinado ao intercâmbio entre escritores jovens. Depois de exercer várias atividades, mudou-se para Brasília, onde presidiu a Fundação Palmares - entidade governamental dedicada à cultura negra. Obteve prêmios com a sua poesia e tem obras traduzidas para o inglês, espanhol, alemão e húngaro. Publicou Abrir-se um Abutre ou Mesmo Depois de Deduzir Dele o Azul (1970), As Musculaturas do Arco Triunfo (1976), Jequitinhonha – Poemas do Vale (1980), Texturaafro, (1992), Litanias de Cão (2002) e A Cor da Pele, que teve sucessivas edições e foi adotado diversas vezes em vestibulares, tornando-se não apenas o seu livro mais famoso, mas colocando-o como um dos maiores poetas brasileiros negros do século XX. Adão Ventura morreu em Belo Horizonte, em junho de 2004, quando preparava a edição de suas obras completas, reunindo todos os livros publicados e dezenas de poemas inéditos. A partir dos originais foi publicada a antologia Costura de Nuvens, Edições Dubolsinho (2006), título que o próprio poeta havia escolhido. Esta foi a segunda homenagem que o projeto Terças Poéticas prestou ao poeta Adão Ventura.

FAÇA SOL OU FAÇA TEMPESTADE - Adão Ventura


faça sol ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.

faça sol ou faça tempestade
meu corpo é cercado
por estes muros altos,
— currais
onde ainda se coagula
o sangue dos escravos.

faça sol
ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.

NEGRO FORRO - Adão Ventura


minha carta de alforria
não me deu fazendas,
nem dinheiro no banco,
nem bigodes retorcidos.


minha carta de alforria

costurou meus passos

aos corredores da noite
de minha pele.

Conceição Evaristo

 Nasceu em 29 de dezembro de 1946 numa favela da zona sul de Belo Horizonte. Teve que conciliar os estudos com o trabalho como empregada doméstica, até concluir o curso Normal, em 1971, já aos 25 anos. Mudou-se então para o Rio de Janeiro, onde passou num concurso público para o magistério e estudou Letras na UFRJ.
Na década de 1980, entrou em contato com o Grupo Quilombhoje. Estreou na literatura em 1990, com obras publicadas na série Cadernos Negros, publicada pela organização.
É Mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, e Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense.
Suas obras, em especial o romance Ponciá Vicêncio, de 2003, abordam temas como a discriminação racial, de gênero e de classe. A obra foi traduzida para o idioma inglês e publicada nos Estados Unidos em 2007.

Obras
Romance
Ponciá Vicêncio (2003)
Becos da Memória (2006)
Poesia
Poemas da recordação e outros movimentos (2008)
Contos
Insubmissas lágrimas de mulheres (Nandyala, 2011)
Participações em antologias
Cadernos Negros (Quilombhoje, 1990)
Contos Afros (Quilombhoje)
Contos do mar sem fim (Editora Pallas)
Questão de Pele (Língua Geral)
Schwarze prosa (Alemanha, 1993)
Moving beyond boundaries: international dimension of black women’s writing (1995)
Women righting – Afro-brazilian Women’s Short Fiction (Inglaterra, 2005)
Finally Us: contemporary black brazilian women writers (1995)
Callaloo, vols. 18 e 30 (1995, 2008)
Fourteen female voices from Brazil (EUA, 2002), Estados Unidos
Chimurenga People (África do Sul, 2007)
Brasil-África: como se o mar fosse mentira (Brasil/Angola, 2006)

1. EU-MULHER (Conceição Evaristo)

Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes - agora - o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.


Comentário: Conceição Evaristo, neste poema, exibe um corpo de mulher talhado por significantes que dizem da função geratriz inscrita no corpo da mulher: Eu-mulher em rios vermelhos / Inauguro a vida / Em baixa voz / Violento os tímpanos do mundo. / Antevejo. / Antecipo. / Antes-vivo / Antes agora o que há de vir. / Eu fêmea-matriz. / Eu força-motriz./ Eu-mulher / abrigo da semente / moto-contínuo / do mundo.

2. LINHAGEM (Carlos Assumpção)

Eu sou descendente de Zumbi
Zumbi é meu pai e meu guia
Me envia mensagens do orum
Meus dentes brilham na noite escura
Afiados como o agadá de Ogum
Eu sou descendente de Zumbi
Sou bravo valente sou nobre
Os gritos aflitos do negro
Os gritos aflitos do pobre
Os gritos aflitos de todos
Os povos sofridos do mundo
No meu peito desabrocham
Em força em revolta
Me empurram pra luta me comovem
Eu sou descendente de Zumbi
Zumbi é meu pai e meu guia
Eu trago quilombos e vozes bravias dentro de mim
Eu trago os duros punhos cerrados
Cerrados como rochas
Floridos como jardins


Comentário: No poema "Linhagem" (acima), através do verso "Eu sou descendente de Zumbi", o poeta evoca uma ancestralidade que tem a ver com a trajetória de batalhas dos afro-descendentes no Brasil. Uma trajetória cujas raízes remontam a Palmares e ao guerreiro que melhor simbolizou a trajetória do quilombo, e que atualmente consta do panteão oficial dos heróis brasileiros.

3. UM SOL GUERREIRO (Celinha)

(A todas as crianças negras assassinadas em Atlanta e a muitas outras crianças assassinadas todos os dias no ventre da humanidade)

Já não ouço meu pranto
porque o choro emudeceu
nos meus lábios
O grito calou-se
em minha garganta
o sol da meia-noite
cegou-me os olhos...
Sou noite e noite só
O meu sangue espalhou-se
pelo espaço
E o céu coloriu-se de um tom avermelhado
como o crepúsculo
E eu cantei
Cantei porque agora a chuva
brotará da terra.
As sementes de todos os frutos
cairão sobre os nossos pés
E germinaremos juntos
Embora tu não possas mais
tocar as flores deste jardim, eu sei
Mas o teu solo é livre
Cante, menino,
cante uma canção que emudeça os prantos,
que repique os ataques
e ensurdeça os gritos
Porque amanhã não haverá mais
nenhum resto de esperança
não haverá mais um outro amanhecer,
pois certamente muito antes
de surgir um novo dia
um sol, guerreiro, há de raiar
à meia-noite, para despertar o teu sono,
Como uma nova alvorada.





SOLANO TRINDADE



Solano Trindade (Recife, 24 de julho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1974) foi um poeta brasileiro, folclorista, pintor, ator, teatrólogo e cineasta.  Filho do sapateiro Manuel Abílio Trindade, foi operário, comerciário e colaborou na imprensa.  No ano de 1934 idealizou o I Congresso Afro-Brasileiro no Recife, Pernambuco, e participou em 1936 do II Congresso Afro-Brasileiro em Salvador, Bahia.
Mudou-se para o Rio de Janeiro, nos anos 40 e logo depois para a São Paulo, onde passou a maior parte de sua vida no convívio de artistas e intelectuais. Participou de um grupo de artistas plásticos com Sakai de Embu onde integrou na produção artística a cultura negra e tradições afro-descendentes. O poeta foi homenageado com o nome em uma escola e uma rua na região central do município.  Trabalhou no filme A Hora e a Vez de Augusto Matraga de Roberto Santos.


SOU NEGRO
A Dione Silva
Sou Negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.
Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso
Mesmo vovó não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou
Na minh'alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação...

GRAVATA COLORIDA
Quando eu tiver bastante pão
para meus filhos
para minha amada
pros meus amigos
e pros meus vizinhos
quando eu tiver
livros para ler
então eu comprarei
uma gravata colorida
larga
bonita
e darei um laço perfeito
e ficarei mostrando
a minha gravata colorida
a todos os que gostam
de gente engravatada...

0 comentários:

Postar um comentário

Página inicial