terça-feira, 12 de setembro de 2017

Terreiros depredados e candomblecistas agredidos em Nova Iguaçu. O que há por traz disso?

No dia vinte e nove de agosto, estive na reisidência da D.Maria da Conceição, a idosa agredida com uma pedra, vítima de intolerância religiosa em Nova Iguaçu, Bairro Cerâmica. A conversa com ela me deixou estarrecida. Ela relatou as reiteradas vezes em que vinha sendo xingada de feiticeira, bruxa dos infernos, macumbeira safada, entre outros. Até o dia em que reagiu verbalmente e o resultado foi ser apedrejada. Ela e o seu nucleo familiar estão referenciados ao CREAS de abrangência de seu bairro, para acompanhamento. Ela está recuperando-se rápido dos ferimentos do corpo, mais ainda há muito trabalho pela frente, para que ela se recupere dos ferimentos da alma!
Neste feriado, sete de setembro, estive em um dos 7 terreiros de candomblé do Parque Flora, mais conhecido como “Buraco do Boi”, em Miguel Couto Nova Iguaçu. Que foi depredado na madrugada. Encontramos ali aproximadamente quarenta pessoas. Elas estavam todas organizando o que restou da depredação e retirando do terreiro. Enquanto outros limpavam e descartavam tudo o que foi quebrado. Haviam aproximadamente cinco carros que se revezavam na entrada da casa. Os carros eram abastecidos com os utensílios que não foram quebrados e em seguida partiam para um terreiro de outro pai de santo amigo que se prontificou a guardar os utensílios sagrados em seu barracão. Era um movimento de muita solidariedade e união. Disse a família de Axé que nos recebeu, que estávamos ali a pedido do Secretário de Assistência Social para um acolhimento das vítimas e uma articulação para posteriormente sentarmos com governo municipal, em um encontro a ser articulado pelo secretário. Fomos bem recebidos, mais com ponderações! Havia um nível de cobrança com a posição e as providências do prefeito em relação ao ocorrido.
Encontramos dentro do terreiro um cenário completamente caótico e devastador. Haviam oito pais e mães de santo de outros terreiros dando apoio ao Pai de Santo da Casa. Este, depois de muito tempo, conseguiu falar rapidamente conosco, dada sua revolta e tristeza diante do ocorrido. Ele se recusou a dar entrevista, não permitiu que fotografássemos nada e pediu para que o seu nome não fosse mencionado. Ficou claro, o risco de uma retaliação por parte dos criminosos. Tivemos a oportunidade de ouvir outros pais, maes, filhos e filhas de santo para melhor compreensão do ocorrido. As narrativas relatam que estes ataques aos terreiros partem de uma facção criminosa que se auto intitulam “traficantes de Cristo”. Esta facção estaria agindo em Nova Iguaçu, mais especificamente nos bairros de bendez, cotó e buraco do boi, todos em Miguel Couto, com o principal objetivo de impedir que as religiões de matrizes africanas realizem seus preceitos. Nos chamou atenção o relato de como as vítimas são abordadas, agredidas, intimidadas e ridicularizadas no momento em que são invadidas em seus terreiros. Os bandidos chegaram a fazer com que uma mãe de santo engolisse o seu fio de conta e a outra que estava com dois Yaos recolhidos, infartou na hora e está internada. Estavam todos muito chorosos e abalados, indignados e temerosos por seus terreiros. O cenário é preocupante.
Não tenho como descrever o meu sentimento ao ver os utensílios quebrados, de Exu a Oxalá, sem exceção. Demorei a vir aqui escrever porque a cena me afugentou as palavras. Mais consegui recuperá-las finalmente.
Percebi que muitas pessoas como eu, estão se perguntando: O que há por tráz disso? Então eu não poderia escrever este texto sem fazer esta ponderação. Pelo menos quatro aspectos sociais colaboram para esse ocorrido:
A implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) de 2008 a 2014, infelizmente não cumpriu o seu papel central para a segurança pública e o desenvolvimento social e econômico das comunidades. Foram 38 UPPs nas principais comunidades do município do Rio de Janeiro que afugentaram os traficantes para as áreas não dominadas pelo tráfico e de extrema vulnerabilidade social. Nova Iguaçu é um dos municípios da baixada que recebeu este “maldito” legado das UPPs no Rio. A cidade pasou a ter outra configuração, de crescente dominação do tráfico, com traficantes de “importação”.
Um projeto político de poder, “Jesuscracia”, vem sendo executado com força total desde a década de 80, com objetivo de destituir o Estado Laico. O crescente empoderamento de pastores e líderanças evangélicas nos parlamentos municipais, estaduais e federais e também no executivo, passibilita que muito dinheiro seja colocado nas igrejas e em ações sociais desenvolvidas por elas. Para além disso, ela expandiu seu campo de atuação em presídios e projetos de recuperação de usuários de drogas. Altos investimentos tem sido feito na música e na moda gospel, criando uma “estética gospel” que carrega a ideologia Jesuscrata. Chegando a parecer que “não ser de Jesus é um absurdo, não segui-lo é uma infâmia, afinal o Brasil é de Jesus”. No bairro de Miguel Couto em Nova Iguaçu, em 2014, foi erguido um monumento a bíblia no lugar onde há cinco terreiros diferentes nas proximidades.
A ideologia de “Exército de Cristo”, vem sendo disseminada com força total, prioritariamente entre os jovens. Um fato significativo é a campanha agressiva do movimento Neo-Pentescostal, ocasionando uma importância decrescente dos cultos Afro Brasileiros. O movimento Neo-Pentecostal oferece uma alternativa ao quebrar as ligações do indivíduo com o passado. Transfere a responsabilidade dos atos pessoais do eu para as entidades espirituais e proporciona proteção contra o “demônio espiritual, o causador”. Isto facilitou sua penetração em comunidades dominadas pelo tráfico e acirrou a perseguição às religiões de matrizes africanas, historicamente demonizadas, por outras religiões. A pessoa passa a lutar contra o “mal”, em nome de Cristo. A morte é aceita, entretanto, sempre que necessário para defender sua gangue, seu Deus ou suas próprias vidas. Este fenômeno acontecendo em um lugar onde existe “Quase” uma igreja em cada esquina, só potencializa o fortalecimento das ações criminosas. Uma escola de samba teve suas atividades impedidas, porque o presidente se converteu e transformou a escola em igreja. E no ano de 2016 o famoso carnaval de Nova Iguaçu não aconteceu. Foram cifras milionárias para comemoração do natal na cidade e zero investimento para o carnaval.
Outro fator de importância é o racismo. O censo de 2010 do IBGE divulgou que 64% da pululação de Nova Iguaçu não é branca, são auto declaradas amarelas, indígenas, preta e pardas. No mapeamento da políticas para superação do racismo e outras formas de discriminação, não se localiza muita coisa que tenha tido impacto positivo. A cidade historicamente conhecida como cidade “dormitório” e governada por regime “coronelista”, ainda não avançou muito. O racismo ainda é um problema a ser superado, que influencia diretamente nos olhares preconceituosos voltados para religiões de matrizes africanas. Ainda falando de Miguel Couto, existe um sub-bairro chamado Vila Olorum. Seus moradores contam a história de que a região era uma fazenda, nesta fazenda o proprietário conheceu a umbanda através dos negros e tornou-se um umbandista. A geração futura de sua família precisou lotear a fazenda e vender os lotes. Dessa forma cada rua ganhou o nome de um Orixá. Desde 2010 os nomes das ruas vem sendo modificados gradativamente. A rua Oxum passou a ser chamada de rua Nossa senhora da Conceição. Fato este que deixa claro a discriminação com a “religião dos pretos”. A famosa rua treze de maio também teve o seu nome trocado. Até hoje os moradores ainda mencionam como ponto de referência a “antiga rua treze de maio”, e a grande maioria nem sabe o nome atual da rua.
A cidade de Nova Iguaçu precisa de uma ação de segurança pública que impeça ações criminosas de facções religiosas. Não podem ser banalizadas ocorrências. Também é necessário que a cidade volte a trilhar o caminho da superação das desigualdades, do preconceito e das discriminações. Precisa ressurgir com força, movimentos sociais e políticos que contraponha os “mal feitos” políticos, restabelecendo os princípios do Direito Humano e da democracia. A escola precisa ser um lugar que prepara nossas crianças para não aderirem a cultura do ódio e do racismo. Os projetos sociais precisam contemplar igualmente os terreiros que guardam a riqueza da cultura africana, na culinária, na moda, na dança e no legado linguístico. Essa cultura precisa ser compreendida pela sociedade. Diversas ações de resgate de patrimônio imaterial da cidade, precisam ser implementadas, além do resgate sócio histórico das referências de identidade do povo iguaçuano. Por fim, na bíblia crista, Jesus condenou o apedrejamento, chegou a impedir que uma prostituta fosse apedrejada. Nessa mesma biblia ele ensina que “a obra do diabo é matar, roubar e destruir”. O questionamento sábio de um de nossos heróis negros diz “Nossa religião nunca queimou ninguém na fogueira e no entanto ela é que mantém a fama de servir ao diabo”. (Abdias Nascimento) Matar, roubar, apedrejar e destruir não é o que historicamente as religiões de matrizes africanas fazem. Este processo de demonização precisa ser desconstruído para evitar uma guerra fundamentalista.
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13 comentários:

  1. Bom dia!!!Com toda a razão do início ao fim..."Que se inicie o "movimento das decisas"

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  2. Boa tarde! Após a leitura do estarrecimento, pergunto: Onde estão o "Poder Público" que gasta o dinheiro de impostos pagos pela população que foi atingida. É Lei e Direitos de faz de conta?! São bandidos agindo é quem defende o cidadão é a cidadã destas localidades? Onde estamos a SEPIR e outros órgãos públicos?!

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  3. Juro vou morrer sem enteder o que algumas pessoas pregam sobre religião.
    É muito triste ver estas coisas acontecerem pq é tão divulgado ...
    Gente somos livres seja opção sexual religiosa o que for.
    Parem de se achar Deus!!!!

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  4. Por trás de tudo isso não existe nada; o mada. Mas na fretudode td issoi há uma ditadura evangélicnavelada, disfarçada na palavra da Bíblia dizendo q a Bíblia diz e o povo primitivo e estúpido acreditando.

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  5. Livre arbítrio - está na Bíblia.
    Estado laico - está na lei.
    Difícil de entender?

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  6. Por que nós, democratas e tolerantes não criamos redes de relacionamento e proteção da liberdade religiosa? Reclamar e constatar o problema é importante. Contudo, precisamos dar um passo além. Busquemos o poder econômico e a influência política.

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  7. Eu pergunto: qual a dificuldade de respeitar as diferenças ? Qual o motivo de tanto ódio? Partindo da lógica, somos seres racionais, tudo isso é irracionalidade?

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  8. Belíssimo texto. Temos que cobrar uma resposta enérgica das autoridades policiais e do MP. Prefeito e vereadores geralmente estão "mancomunados" com essas ações.

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  9. Gostaria de lembrar que Deus te deu o livre arbítrio, sem assim, posso procurar qualquer religião para seguir, se ele me deu esse direito, como agora pela interpretação de certos pastores eu sou obrigada a segui-los. Já que as religiões evangélicas impõe que você tem que ser salvo "por eles" mesmo quando você não acredita nessa tal salvação. O meu sagrado me da paz, me alegra, me acalenta, me da forças para seguir em frente diante de qualquer adversidade da vida. Eu não quero ser tolerada e sim respeitada, como dizem agora se eu não critico o seu amém, a sua aleluia e etc. por favor respeite o meu mukuiu, o meu motumba o meu calofe.

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  10. O STF legalizou hoje a dedicação exclusiva das aulas de religião nas escolas públicas a um único credo. Uma decisão absurda, que discrimina e exclui todas as crianças que não têm religião ou não praticam uma religião diferente daquela que for escolhida pela direção da escola com sendo aquela à qual deve ser reservado o tempo de aula dessa disciplina. Vamos de mal a pior. Não apenas perdemos mais uma oportunidade de construir respeito pelas diferentes vertentes de fé que se manifestam entre nós, como perdemos também uma oportunidade excepcional de desconstruir a cultura do ódio e da discriminação e de contribuir para uma liberdade religiosa baseada no conhecimento e não no preconceito. Imperdoável essa decisão do STF. Isso terá que ser revisto! Obrigado por compartilhar conosco teu conhecimento sobre realidade do dia-a-dia da Baixada, com tudo o que tem de bom e ruim. Teu relato é de chorar, mas é da maior importância. Compartilhei.

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  11. O STF legalizou hoje a dedicação exclusiva das aulas de religião nas escolas públicas a um único credo. Uma decisão absurda, que discrimina e exclui todas as crianças que não têm religião ou não praticam uma religião diferente daquela que for escolhida pela direção da escola com sendo aquela à qual deve ser reservado o tempo de aula dessa disciplina. Vamos de mal a pior. Não apenas perdemos mais uma oportunidade de construir respeito pelas diferentes vertentes de fé que se manifestam entre nós, como perdemos também uma oportunidade excepcional de desconstruir a cultura do ódio e da discriminação e de contribuir para uma liberdade religiosa baseada no conhecimento e não no preconceito. Imperdoável essa decisão do STF. Isso terá que ser revisto! Obrigado por compartilhar conosco teu conhecimento sobre realidade do dia-a-dia da Baixada, com tudo o que tem de bom e ruim. Teu relato é de chorar, mas é da maior importância. Compartilhei.

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  12. Sugestão de leitura:

    A PRÁTICA DA FEITIÇARIA COMO ELEMENTO FOMENTADOR DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

    https://luizlmarins.files.wordpress.com/2018/05/a-pratica-da-feiticaria-como-elemento-fomentador-da-intolerancia-religiosa.pdf

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