domingo, 3 de setembro de 2017

Exu Rei e os nossos Heróis Negros!

“Ofereço-te Exu o ebó das minhas palavras neste padê que te consagra não eu porém os meus e teus irmãos e irmãs”. (Exu Rei – Abdias Nascimento) Ontem eu tive a satisfação de assitir no Odeon um documentário e dois curtas que homenageiam três de nossos heróis brasileiros. A exibição dos filmes, fez parte da programação do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, que acontece há dez anos. Na sequência: o curta Memórias Para um Guerreiro - Zózimo Bulbul, o documentário Exu Rei - Abdias Nascimento e o curta Eu Preciso Destas Palavras Escritas - Bispo do Rosário. O teatro estava praticamente lotado e o público aplaudiu com veemência a cada etapa de exibição dos filmes. O início da exibição ao som dos atabaques reverenciando Exu, Orixá do candondomblé, foi absolutamente emocionante. Exu Rei. Ele realmente reina durante todo documentário, e com maestria. No candomblé, Exú é “A boca do mundo”, sem ele não existe comunicação com o mundo espiritual. Ele é considerado o mais “humano dos Orixás”, que caminha na terra entre os humanos, abrindo caminho e distribuindo proteção. Exú é sempre o primeiro a receber as oferendas, as cantigas, as rezas, é saudado antes de todos os orixás, antes de qualquer cerimônia ou evento. O documentário estabelece uma relação dos três heróis negros como Exus. Homens que caminharam entre nós com a missão de abrir caminhos, esclarecer, criar alternativas para superação das opressões políticas deste mundo, dar visibilidade aos preconceitos camuflados, exigir o respeito ao direito humano. E tudo isso através da arte, da cultura, do cinema, da literatura e da política. Homens que abriram “a boca para o mundo”. Nesse contexto, a expressão Exu Rei, foi muito bem conferida a eles. O curta conta com a participação da Yalorixá Mãe Meninazinha da Oxum, uma das mais influentes Yalorixá do Brasil, que dirige um terreiro de 105 anos em São João de Metiri, Ilê Omolu e Oxum. Sua participação foi de fundamental importância para esclarecimento e desconstrução do crescente processo de demonização das religiões de matrizes africanas no Brasil. Ela fala sobre Exu no candomblé e no sincretismo religioso. E fala sobre Abdias do Nascimento. Um ponto alto, foi ver a quantidade enorme de negros, negras, e não negro(a)s, alto afirmados com seus turbantes, black power, birotes, tranças, eketé, lenços e tecidos africanos, adereços e jóias africanas, sapatos, roupas, bolsas e encharpes coloridos, revelaram a crescente adesão ao estilo afro étnico pop, como forma de expressão da não subordinação aos modelos sociais de beleza impostos pela mídia. Os tempos não são fáceis! O público majoritariamente jovem, estava sedento de referenciais heróicos para fortalecerem seus sentimentos de resistência aos rumos de corrupção, violência, violação de direitos, desmonte das políticas inclusivas e devastação que o país está trilhando. E neste sentido, relembrar nossos heróis negros e suas trajetórias de sucesso, foi providencial. Eu poderia dizer muito mais coisas. Mais não conseguiria trazer a emoção sentida diante da tela. Paro por aqui. E deixo, para acrescentar nosso conhecimento e orgulho, uma mini biografia de nossos Exu Reis que nos inspiram a continuar a luta! Vale muito a pena assistir os documentários. Zózimo Bulbull nome artístico de Jorge da Silva, estreou no cinema no início dos anos 1960, no filme Cinco vezes Favela. E no final dos anos 60, tornou-se o primeiro negro a ser protagonista de uma novela brasileira, ao participar da novela Vidas em Conflito, na extinta TV Excelsior, fazendo par romântico com Leila Diniz. Zózimo é um dos ícones negros dos anos 1960 pelos trabalhos na televisão e no cinema. Foi um ator, cineasta, produtor e roteirista. Atuou em 30 filmes, tendo dirigido em torno de 10 filmes. Ganhou em torno de 20 prêmios nacionais e internacionais. Atuou em filmes importantes na história do cinema brasileiro. Trabalhou com diretores de renome como Glauber Rocha, Cacá Diegues, dentre outros. Como diretor realizou trabalhos focados nas questões pertinentes à população negra. Insatisfeito com a condição reservada aos negros nas telas decidiu escrever e dirigir seus próprios filmes. Em 1974, dirige o curta metragem em preto e branco “Alma no Olho”, considerado uma das melhores obras da cinematografia afro descendente. Em 1988 lança o seu longa metragem “Abolição”, que propõe uma reflexão crítica sobre a então comemoração dos 100 anos da abolição da escravatura. Dirigiu também inúmeros curtas, sempre com um olhar para o negro na sociedade brasileira: “Aniceto do Império” (1981), “Samba no Trem” (2000), “Pequena África” (2002), entre outros. Em 2007, fundou o Centro Afro Carioca de Cinema, aonde vem desenvolvendo um trabalho de referencia para a Cinematografia Afro Brasileira. Um trabalho de conscientização, memória e incentivo a novos caminhos, de aumento de autoestima e da compreensão do mundo através da arte Cinematográfica, onde são realizadas Oficinas, debates, seminários, mostra de filmes nacionais e internacionais, lançamentos de livros entre outras ações. Nascimento: 21 de setembro de 1937, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro Falecimento: 24 de janeiro de 2013, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro Abdias Nascimento foi militar, político, ativista dos direitos civis e humanos das populações negras, ator, artista plástico, escritor, dramaturgo e professor universitário. Entrou para o exército brasileiro e em 1936 Abdias se integrou ao movimento da Frente Negra Brasileira, que realizava protestos em locais públicos e trabalhava na perspectiva de integrar o negro brasileiro na sociedade de classes. Entrou em conflito. Combatiam em locais como hotéis, restaurantes e bares que impediam a entrada de negros. Nessa época, Abdias fez inclusive parte da comitiva que foi ao Rio de Janeiro protestar junto ao presidente Getúlio Vargas. O que fez com que ele se desliga-se definitivamente do Serviço Militar. Ao sair do exército, passou a ser ferozmente perseguido pela polícia de São Paulo em razão de sua atuação na FNB. Resolveu então partir para o Rio de Janeiro, onde morou inicialmente no morro da Mangueira e conseguiu trabalhar como o revisor do jornal O Radical. Considerado um dos maiores expoentes da cultura negra no Brasil e no mundo, fundou entidades pioneiras como o Teatro Experimental do Negro (TEN), o Museu da Arte Negra (MAN) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Foi um idealizador do Memorial Zumbi e do Movimento Negro Unificado (MNU) e atuou em movimentos nacionais e internacionais como a Frente Negra Brasileira, a Negritude e o Pan-Africanismo. Há muito o que dizer sobre a trajetória de abdias. O período no qual o teatrólogo brasileiro ficou em exílio foi muito fértil intelectualmente para o pan-africanismo, movimento intelectual que propunha a união e unidade política entre as nações africanas e as culturas decorrentes da diáspora deste continente. Grandes pensadores debatiam as perspectivas da questão racial em escala atlântica, espelhados pelas Américas, África e Europa, alguns deles empenhados na ideia de uma África Ocidental socialista, influenciados que estavam pelas teorias marxistas. Abdias ficaria fortemente entusiasmado com uma das vertentes do pan-africanismo, aquela de ideologia mais nacionalista, representada nas figuras de Steve Biko (África do Sul), Patrice Lumumba (República Democrática do Congo), Aime Césaire (Martinica) e Malcolm X (Estados Unidos). Com esse espírito, participou da Conferência Pan-Africana Preparatória realizada em Kingston, Jamaica, em 1973, que abriu os trabalhos para o 6º Congresso Pan-Africano, realizado no ano seguinte na Tanzânia, em Dar-es-Salam. Entre 1976 e 1977, Abdias residiu na Nigéria, onde atuou como professor visitante na Universidade de Ifé. O exílio de Abdias terminou em 1981. Ano em que criou em São Paulo o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), com a ajuda de Dom Paulo Evaristo Arns. Nascimento 14 de março de 1914 Franca, São Paulo Falecimento: 23 de maio de 2011, Rio de Janeiro Arthur Bispo do Rosário foi um artista plástico brasileiro, dado como louco, depois de ter sido boxeador e oficial da marinha. Como boxeador ele nunca foi nocauteado, chegando a ser conhecido como “lobo do mar”. Como oficial da marinha, foi desligado em 1933 por indisciplina, considerando sua inconformidade diante do preconceito! Em dezembro de 1938, foi dado como louco e encaminhado ao Hospital Nacional dos Alienados e depois transferido para Colônia Juliano Moreira. Seu laudo, resgatado pela escritora Flávia Corpas e Frederico Morais, no livro “Arte Além do Tempo”, surpreende pela descrição de um detalhe que chama atenção. Arthur Bispo do Rosário, é descrito como “calmo, de olhar vivo”, com “ares de importância” e “fisionomia alegre”, o paciente também podia associar “idéias com extravagância”. Esse laudo mais parece uma mini biografia que destaca as qualidades do artista. E não de um homem adoecido mentalmente. Mais foi com este laudo que o artista permaneceu internado durante anos no hospício, onde ele produziu quase toda sua obra internado. Direcionou sua obra ao debate sobre o pensamento eugênico, o preconceito e os limites entre a insanidade e a arte no Brasil. Nos estandartes e mantos que bordou, ele relaciona diversas palavras às experiências que passou. As centenas de nomes escritos em ordem alfabética e os objetos agrupados por proximidade, revelam que ele não vivia em delírios, ele sabia o que estava fazendo. Em 1980, é denunciado o estado de imensa precariedade em que se encontrava a assistência psiquiátrica no Brasil. O jornalista Samuel Wainer Filho realiza uma matéria sobre a Colônia Juliano Moreira para o programa Fantástico, da TV Globo, no qual Bispo do Rosário e seus trabalhos aparecem. Desde então, seus trabalhos ganharam visibilidade, respeito e notoriedade. Chegando a ser maior destaque na bienal de São Paulo, Museu Vistoria & Albert, em Londres, e na Bienal de Veneza, a maior mostra de arte contemporânea do mundo. Nascimento: 1909, Japaratuba, Sergipe Falecimento: 1989, Jacarepaguá, Rio de Janeiro
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